terça-feira, 29 de março de 2011

O bullying, a escola, a família e a sociedade

Há umas semanas atrás no Facebook, um amigo tinha postado um vídeo de uma criança que reagia a um bully, quase que o partindo em dois. O vídeo, extremamente viral, transformou-se depressa em mais um fenômeno de internet, não só espalhando-se por todos os cantos como até sofrendo edições que faziam toda a cena parecer um videogame. A criança, que viemos a saber depois se chamar Casey Haynes foi apelidado de Zangief Kid, em alusão ao personagem do videogame nascido nos anos 80 e chamado Street Fighter.

Uns dias mais tarde, eu recebi um email encaminhado por um colega, com link para este pequeno documentário sobre a criança e todo o fenômeno em que se transformou.

Uma das coisas que me chamou a atenção foi que o email veio de uma “psicóloga, especialista em análise do comportamento, especialista em psicopedagogia” que dizia:
“Penso que devemos - profissionais, pais e, principalmente, escola -, trabalhar com as crianças e adolescentes para se tornarem seres mais humanos, que sejam capazes de respeitar as diferenças e o espaço do outro”.
Bati os olhos no “principalmente, escola” e perguntei-me se era isso mesmo. A responsabilidade de fazer das crianças pessoas não violentas, que respeitem a diferença, pacíficas, conciliadoras, etc é mesmo da escola? Eu sempre pensei que muito do que eu sou hoje é oriundo da educação que recebi dos meus pais, da minha família. Os valores que eles me ensinaram serviram de filtro para muita coisa que a escola me ensinou depois. A minha opinião – totalmente empírica e sem fundamento estudioso – é que a principal referência, para bem e para mal, de uma criança é a família, o pai e a mãe. Se ele ouvir do pai que “na vida o que impera é a lei do mais forte”, provavelmente irá levar esse conceito para as suas relações. Se ele vir que a mãe assume um papel submisso em casa, provavelmente irá achar isso normal e quererá repetir o padrão.

Hoje este fenômeno de bullying está muito na mídia. É interessante observar a forma como é retratado e tratado. Neste caso, uma criança retaliou, após agüentar anos de humilhação dos bullys que cruzava. A primeira reação de qualquer pessoa sã de espírito é de pensar “isso mesmo! Bate mesmo! Vinga-te de uma vez de tudo o que passaste!”. Uma vez passada essa reação normal de quem acabou de ver uma injustiça ser corrigida, vem a segunda reação: a de ver que o bully podia ter ficado muito machucado. Pergunto-me o que teria acontecido se o bully tivesse ficado paraplégico? Já imaginaram?

No final do documentário, quando lhe perguntam que conselho daria para outras crianças na mesma situação ele diz “ foque nos dias bons, mantenha o queixo erguido. A escola não dura para sempre”. Ele não se sente muito feliz pela forma como as coisas aconteceram. Tenho a certeza que, se tivesse a escolha, ele teria preferido não fazer o que ele fez. Por isso não aconselha a ninguém.

O meu comentário: mal sabe Casey que os bullys não existem só na escola. Eu os encontrei na escola, na universidade, no clube de tênis, no trabalho, etc. E a razão disso é que o bullying é apenas um sintoma da nossa sociedade. Eu já tinha comentado isso quando falei da educação inclusiva. Basta um olhar para a televisão – o ópio do povo – para ver quais são os padrões e valores que nos regem: queremos ser fortes, bonitos, inteligentes, ricos, imponentes, agressivos, ambiciosos, custe o que custar. E isso vai até ao nível de como são regidos os países. Se um pais não tem um recurso, vai onde tem e toma à força. Está profundamente errado, isso é mais que sabido. A minha esperança é que a geração do Casey saiba resolver esses problemas de relacionamento que nós ainda não conseguimos.

Ao escrever este texto lembrei-me que uma vez a educadora do meu filho nos chamou para dizer que ele chorava. Nós perguntamos se chorava sem razão e ela respondeu que não, que só chorava quando lhe batiam. Ela nos explicou que o nosso filhote não se defendia. Imaginam a cena? Nós explicamos para ela que ele estava certo, que não era para se defender, que o papel dela, educadora não era de incentivar que o nosso filho se defendesse, mas sim de ensinar às crianças que batiam no nosso filho a não bater.

Felizmente, hoje o nosso filho tem 9 anos e entende perfeitamente a lógica dessa maneira de ser.

segunda-feira, 21 de março de 2011

As mudanças climáticas e os negócios

Há muito que me pediram para falar sobre este tema. Com o recente terremoto no Japão, não dá para protelar o assunto. Estima-se que a catástrofe japonesa custe a bagatela de 35 bilhões de dólares às seguradora. E esse número muda todos os dias. Neste caso, até se trata apenas de um setor que vai ter que cumprir com o que prometeu: indenizações em caso de acidentes, mesmo que sejam naturais. Ou seja, o que probabilisticamente era para ele – o setor – um excelente negócio, acabou de ser a razão da sua morte, no sentido figurado, claro.

Durante séculos agimos com a firme convicção que as nossas ações não tinham consequências para o planeta, que a terra poderia suportar todo o tipo de abuso. Mas sejamos claros. Eu não faço parte dos que acham que a terra tem uma “alma que sofre com os ataques do homem, que se vinga etc, etc”. Mas por mais que eu não atribua essas características humanas ao planeta, não deixo de pensar que todo o sistema que chamamos de “natureza” repousa sobre um delicado equilíbrio de forças, que durante muitos séculos o homem não conseguia influenciar. No entanto, desde a revolução industrial o ritmo de dilapidação dos recursos do planeta deve ter causado com certeza alguma ruptura nessa cadeia de forças. Não tenho dúvida que a terra vai nos sobreviver. Historicamente ela já provou que o seu poder de recuperação é quase inesgotável – vide big bang e outras catástrofes naturais. No entanto desta vez, o período de recuperação pode ser maior devido à extensão dos estragos insidiosos que vimos fazendo nos últimos séculos.

Isso me leva à influencia dessa evolução tem no mundo dos negócios. Aproveitando o “gancho” das seguradoras acima, já vemos um ramo de negócios que é cada vez mais diretamente impactado pelas catástrofes naturais. E pelo pouco que eu entendo da coisa, não era o seu foco de atuação principal. Aliás é só ver os tipos de seguros mais usados – auto, casa, roubo, incêndio, vida, saúde, etc – nenhum está diretamente relacionado com catástrofes naturais. Um exemplo de adaptação do mercado é o aparecimento de seguros contra tufões, na costa norte-americana. Fica-me a dúvida se as companhias de seguros não deveriam investir pesadamente em ações que possam mitigar as catástrofes naturais, como estratégia de sustentabilidade do próprio negócio. É obvio que não será possível evitar a catástrofe por inteiro, mas os efeitos podem ser combatidos.

Outro exemplo que me vem, da influencia obvia das catástrofes naturais nos negócios é na construção civil. No Japão por exemplo, uma área que sabemos ter terremotos, os prédios são construídos sobre sistemas que os protegem contra vários tipos de tremor de terra.

Interessante ver que num caso como no outro – furacão ou terremoto – as pessoas decidem ficar onde estão e encontrar soluções. Confesso que não sei se teria essa resiliência. Depois de ver a minha casa destruída duas ou três vezes por um ou outro, provavelmente abandonaria a região.

Conclusão caótica deste pensamento desorganizado: vamos ter que arranjar mesmo outra forma de viver numa terra que tem dado todos os sinais não nos querer mais por aqui. Já ouvimos falar de todos os cenários catastróficos possíveis. Quem nunca leu que o limite de aquecimento para este século tem de ser de dois graus? Alguns – poucos – dizem que não há de acontecer nada, que tudo ficará bem. Outros – muitos – dizem que temos entre 50 e 100 anos para mudar o nosso padrão civilizacional, caso contrário o fim pode estar mais perto que pensamos. O mais louco disso tudo é que, com a evolução da medicina, 100 anos é do tempo de vida dos nossos filhos. Não se trata de um futuro longínquo que não podemos ainda ver. É logo ali, a poucas décadas de nós.

Enfim, dá para pensar... ou melhor, já não dá para pensar muito. Dá para agir!

sexta-feira, 18 de março de 2011

Olhando para fora: lei anti sindicato?

Como prometido no post anterior, “casulei” durante as festas do carnaval. E no meio do meu bem estar confortável de comida, filmes e música, passei por acaso pela CNN e fiquei chocado com uma coisa que eles informavam. No estado do Wisconsin, acabou de passar uma lei que, pelo que percebi, proíbe a existência de sindicatos e o direito à negociação coletiva. Isso mesmo. É obvio que uma série de organizações já se juntou para que essa lei possa ser impugnada de alguma forma. Vai entrar o jogo político do mais alto – ou baixo – nível, agora. Eu também precisei de um tempo para processar essa informação. A primeira reação foi de me perguntar se o Wisconsin seria o centro do comunismo estadunidense. Se considerarmos que demasiado poder nas mãos dos patrões é um perigo, também é justo achar que demasiado poder nas mãos dos sindicatos não é saudável. Como sempre a solução está num equilíbrio de forças possível, mas difícil de encontrar. Pesquisei um pouco e pelo que percebi o Wisconsin não é a estrela vermelha dos primos do norte. Ao mesmo tempo descobri que o um dos financiadores do dito governador é uma coligação de bancos e magnatas – Koch Brothers, Americans for Prosperity Group, entre outros – que há muito têm uma agenda contra os movimentos associativos, ou “movimentos de prevenção ao negócio”, como eles chamam – eu já tinha ouvido antes esta expressão, aplicada aos departamentos jurídicos das empresa em geral ;)

Pessoalmente, espero que consigam derrubar a lei. Na verdade, mais do que a sensação de retrocesso histórico que este tipo de notícia me dá, fico sempre inocentemente surpreendido por algo assim ser simplesmente possível em 2011. O que vai na cabeça dessas pessoas? Uma vontade de retorno ao tempo dos escravos? Ou um pouco mais tarde, quando do benevolente discurso “trabalha e cala”? É preciso ter uma visão tristemente unilateral e egoísta do mundo, para pensar que tudo ficará resolvido se retirarmos às pessoas a liberdade de lutarem por condições de vida digna.

E fico com um medo de ver uma reação em cadeia do resto do Mundo, se uma lei dessas passa, incólume. Já imaginaram? O resto do mundo tem a mania de olhar com inveja para os estados unidos, pouco faltaria para que começassem a aparecer um pouco por todo o lado, um movimento de retrocesso aos tempos mais felizes do capitalismo selvagem e da pseudo desregulamentação do mercado.

Enfim. Fiquemos atentos...

segunda-feira, 14 de março de 2011

Carnaval e sustentabilidade?

Numa conversa com um colega de trabalho eu soube que sete em cada dez turistas que estarão presentes no carnaval do Rio serão estrangeiros. Sete em dez! No meio de tantos especialistas que dizem que o Brasil é o país do futuro – não sou especialista, mas concordo com a avaliação – eu acabei por me lembrar que, pelo menos até uns anos atrás, o principal atributo do Brasil para os estrangeiros era o turismo e o carnaval. A sensação que tínhamos é que era um país onde mesmo sem muito dinheiro as pessoas sabiam se divertir. Não sei se imaginam como isso representa o sonho dos sonhos para o resto do mundo. E a imagem que tínhamos de fora era obviamente fortemente tingida pelo carnaval do Rio. Pessoas em trajes fantásticos que dançam e se divertem como ninguém. Na realidade foi preciso eu vir morar aqui para perceber que o carnaval do Rio é apenas um dos vários carnavais típicos do país. E eu nem me lembro como nem porquê ele acabou sendo o mais conhecido lá fora. Provavelmente um efeito dos grandes grupos de mídia oriundos do Rio do século passado.

Mas o dado acima citado me fez pensar em outras coisas relacionadas com o consumismo. É difícil tratar de tudo num único texto de blog que se deve mais curto, mas...

Penso nas viagens, todas as viagens. Pessoas de toda a parte do mundo – inclusive do próprio Brasil - viajarão para aqui, aproveitando todo o tipo de promoções. Os números de vôos duplica, os hotéis e restaurantes ficam cheios. Li algures que o carnaval gera mais transações que o natal. Não sei se é verdade, mas não deixa de ser assustador. Várias questões me vieram à cabeça, a maioria ainda sem respostas:
  • Será que alguma companhia aérea vai compensar nem que seja simbolicamente a poluição gerada?
  • Será que o dinheiro despejado pelos turistas vai alavancar o turismo, o desenvolvimento, a cultura daqueles lugares que mais precisam?
  • Será que esse dinheiro vai entrar mais para a economia formal do que a informal – que não gera renda para o estado depois reinvestir?
  • Será que dentre os diversos tipos de turismo estimulados pelo carnaval ainda vamos ter o turismo sexual, e se sim, quanto será que ele representa?
  • Será que vai acontecer o caos aéreo que acontece todos os anos nesta época?
  • Será que a “cultura brasileira” vendida para os turistas vai ser mesmo produzida aqui? Explico: já encontrei em feiras de artesanato produtos “tipicamente brasileiros” fabricados na Ásia ou na America Central – essencialmente bibelôs, roupas, acessórios, etc...
  • Assumindo que seja genuína, será que esse pedaço de “cultura brasileira” que vai para o estrangeiro retratará fielmente o país e seus costumes?
  • E se sim, será que vai contribuir para diminuir a ignorância e visão distorcidas que as pessoas normalmente têm umas das outras?
Então minha gente, como eu sou mais do tipo tranqüilo, procurei por outras opções para passar o feriado. Conclusão: no meio dessa confusão toda eu me recolhi em casa em Brasília, com CDs, filmes, pipoca, jogos, um violão, uma garrafa de vinho e boa companhia... :)

Espero que o carnaval tenha sido feliz para tod@s! Que não tenham gastado mais do que ganham, que tenham fugido das futilidades, que tenham dançado até cair, que se tenham divertido com responsabilidade,  (arrumaram tudo depois da vossa passagem, jogaram o lixo nas devidas lixeiras e colocaram protetor solar :)! E que não tenham feito nada que eu não fizesse!