sábado, 26 de fevereiro de 2011

A corrupção do poder...

Desde que começaram as manifestações populares na Tunísia, Egito, Líbia, etc, que penso escrever sobre o assunto. O mundo esperava por estes acontecimentos há algum tempo. Normalmente esses levantamentos populares são esmagados rapidamente sem piedade. Desta vez alguns deles conseguiram até expulsar os ditadores. Espero que as revoltas nesses bolsões de opressão espalhados pelo planeta sejam mais um sinal de mudança, de não conformismo dos povos, de combate a regimes ditatoriais que não tem razão de ser em 2011. Que a teoria dos dominós funcione mesmo. Espero que Kadhafi caia também e já ouvi falar de Angola. Cruzo os dedos. O médio oriente e a África ainda são reduto para esse tipo de tiranos alucinados.

Outra coisa que me dá felicidade é por ver esses regimes depostos pelo seu próprio povo e não por alguma força da paz multinacional vinda com a missão divina de trazer a paz e implantar a democracia. Não garante sucesso –a historia já gritou isso de várias formas – mas pelo menos tem muito mais legitimidade.

Ao mesmo tempo que sinto uma felicidade – amarga, nunca ficarei feliz de ver pessoas morrer – por ver o povo lutar pelas suas convicções, também me veio um desespero por ver os efeitos da corrupção do poder. E é exatamente o que mais me custa. Muitos destes ditadores insanos que o povo apedreja hoje, foram heróis de alguma outro momento da história. É surreal.
  • Mubarak (Egito) foi eleito pelo povo depois de uma brilhante carreira militar, fez imensos progressos no relacionamento do Egito com outros países do médio oriente, assinou tratados de paz com Israel etc. e depois deu no que deu
  • Ben Ali (Tunísia) foi combatente da libertação contra o colono Frances, foi expulso da escola, preso, etc. Depois de chegar ao poder passou a acumular riqueza para ele e sua família
  • Nino Vieira (Guiné-Bissau, país onde nasci), herói da guerra de independência contra Portugal, assume o poder em 1980 num golpe de estado, e passa 20 anos assassinando ou silenciando todos os seus opositores, até ser ele mesmo assassinado
  • Ceacescu (Roménia), um dos reconhecidos combatentes da liberdade do leste europeu, preso ainda adolescente por atividades antifascistas, acaba como sabemos, linchado pelo seu próprio povo
  • Honecker (Alemanha de leste), combateu o nazismo, sobreviveu às prisões de Hitler, para depois fazer horrores ao seu povo até a queda do muro de Berlin
  • Fidel (Cuba), herói da revolução cubana ao lado do Che, portador de ideais partilhados por muitos – inclusive eu mesmo – não deixou de se tornar o seu pior inimigo, embebido da sua persona, silenciador de muitos inimigos políticos do seu regime. Saiu antes de se tornar um vilão?
  • Hugo Chavez (Venzuela) é um herói para muitos e demônio para outros. Por mais que a sua atuação política vise a melhoria da qualidade de vida para a camada pobre do povo venezuelano, aqui e ali ele é acusado por movimentos civis de sérias violações dos direitos humanos. A caminho de se tornar mais um vilão?
E passo e muitos mais. Tudo exemplos desesperadores da corrupção do poder. Acabo por me lembrar de frase do filme Batman, pasmem. Em um momento do filme alguém diz “ou se morre herói ou vive-se tempo suficiente para se ver transformado no vilão”. São raros aqueles que conseguem resistir ao lado negro da força. É naturalmente humano? Frank Zappa dizia que o comunismo não funciona/funcionou porque as pessoas gosta de ter coisas. Mais uma vez, este cínico aqui tinha razão...

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A família no mundo corporativo

De há uns anos para cá – não sei desde quando – tenho visto muitas experiências de empresas que tentam trazer a família dos empregados para dentro do universo da empresa, de envolver os filhos e familiares próximos no ambiente corporativo.

Com pouquíssimo embasamento teórico ou técnico sobre o assunto, a minha leitura é a seguinte: as empresas são obrigadas pela lógica de mercado a ser continuamente mais exigentes com o seu maior recurso – as pessoas – para se poderem manter competitivas no mercado. Para tal são usadas metas, objetivos e outros instrumentos de pressão para melhorias produtividade. Até aqui não haveria nada de errado, não vamos discutir a dita lógica de mercado. O problema começa quando essa pressão começa a ser aplicada sem nenhum filtro de relações humanas, de fato considerando os empregados como meros componentes da engrenagem que podem ser substituídos quando quebram. E isso aconteceu e ainda acontece nos dias de hoje, mas isso é tema para outro post. Como qualquer elemento sob constante esforço ou pressão acaba sempre por quebrar – teoria básica de resistência dos materiais – as pessoas começaram por passar essa pressão para cima das famílias. Eu me lembro de anos em que trabalhei 12 a 14 horas por dia, 6 a 7 dias por semana. E infelizmente não sou um caso raro. O tempo para a família era raro ou inexistente, a qualidade das relações com os amigos foi baixando – tínhamos todos mais ou menos o mesmo ritmo – e a saúde também ia paulatinamente para o espaço – almoços em cinco minutos, junk food, nenhuma pratica esportiva etc, etc. Imaginam o filme, não é?

Tudo isto é apenas para fixar o contexto da conversa. Algum gênio pensou então que uma forma de melhorar a produtividade seria de aproximar a família da empresa. Já que Maomé ia cada vez menos à montanha...

E então começam a aparecer os famosos family-days. Confesso que ainda não sei se gosto da idéia ou não. Um dos pontos positivos é que, ao possibilitar a ida da família para o universo do empregado, esta entende, reconhece e respeita mais e melhor o profissional. Quem nunca se sentiu pouco reconhecido em casa? Talvez até amenize um pouco da pressão familiar para ser melhores pais etc? O profissional se sente reconhecido e incentivado? Sim, sem dúvida. Mas isso é uma faca de dois gumes (ou dois legumes, como ouvi por aí, bem mais saboroso), porque isso serve mais o propósito da empresa do que da pessoa. Eu, profissional nessa situação, vou me empenhar mais no meu trabalho e ao mesmo tempo, de alguma forma, consegui uma carta branca para continuar a não fazer tão bem jus ao meu papel de pai/mãe/irmão/filho/amigo etc. Vi este caso de figura em cada país por onde passei, invariavelmente.

Como quase sempre, acredito que a solução está num meio termo. Primeiro, é importante respirar fundo e reconhecer fria e serenamente que o trabalho nunca será tão importante quanto a família. Isso de passá-la sistematicamente para segundo lugar em relação ao trabalho é apenas mais um sintoma da nossa tendência a ser péssimos gestores de prioridades. Já que temos que trabalhar para sustentar as nossas famílias, podemos fazer isso de forma mais amena. Eu lembro-me que quando era pequeno eu adorava ir para o trabalho dos meus pais. E nessas visitas fui aprendendo pouco a pouco o que eles faziam. Não me recordo de ter perguntado diretamente para eles me explicarem o trabalho deles, e no entanto depois daqueles momentos com eles eu – achava – que entendia um pouco mais desse mundo de adultos.

O meio termo que preconizo envolve os dois lados diminuírem um pouco a pressão sobre o empregado, tanto a empresa como a família. Ao mesmo tempo, nós profissionais, de alguam forma precisamos rever as nossas prioridades. Pelo menos falo por mim. É interessante trazer um pouco da família para o trabalho? Os resultados de algumas experiências mostram que na interseção inteligente destes dois universo aparentemente distintos encontramos produtividade, bom humor, colaboração, menos stress etc. E no mínimo seria mais justo, já que levamos muitas vezes o trabalho para a família não é?