sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O pseudo ativismo digital

Hoje li este artigo interessante no blog do Ethos. Ele trata o tema de como as redes sociais tornam – ou não – o mundo menos desigual e mais inclusivo. O que mais me chamou a atenção foi a frase de encerramento do artigo. Achei-a jugular.

Quantas vezes eu deixei de encaminhar para toda a minha lista de contatos aquele email sobre o massacre das focas ou orcas? Ou não dei o “like/curtir” em conteúdos similares? De alguma forma eu sempre me incomodei com essa forma cômoda de me dizer ativista de alguma causa. Imaginem-se, no conforto de um sofá de design sueco, teclando num notebook fabricado em Taiwan, calçado com tênis feito na China, bebendo vinho francês ou chileno, e, cumulo da incoerência, dando um “like/curti” no artigo sobre trabalho infantil na Ásia. É como me sinto. Por mais que eu seja um cidadão consciente e responsável – creio, essa é a realidade. A Internet e as redes sociais contribuíram sem duvida para a democratização dessas causas, dessas informações que antes levavam anos a atingir a maioria da população. E foram se criando cada vez mais ferramentas para tentar fazer do comum cidadão, um ser mais participativo, mais ativo nessa construção de uma sociedade melhor, mais justa, mais inclusiva. Criaram-se mil uma ferramentas para facilitar essa conexão, como se o comum cidadão fosse um ser debilitado, preguiçoso, portador das piores doenças mentais que o tornariam num ser desconexo do mundo real.

Resultado: a cena que descrevi acima! Uma música dos Living Colour, uma banda que eu gosto muito dizia “I sent my twenty dollars to Live Aid and paid my guilty conscience to go away”. Isso é cada vez mais possível hoje. É muito simples eu ter a sensação de “ter feito a minha parte” ao encaminhar o dito e-mail para a lista completa de contatos – ainda por cima nem verifico se o teor da mensagem é verídico, coisa que uma pesquisa básica resolveria – ou ainda ao publicar na minha pagina do Facebook ou Orkut. Ou seja, a minha sensação é que o tiro vai saindo cada vez mais pela culatra. Quanto mais se facilita o acesso a essas causas, mais se contribui para que as pessoas fiquem confortavelmente instaladas na ilusão de estar a participar de alguma mudança civilizacional.

Notícia pessoal! A mudança requer sujar as mãos um pouco mais. Não é tão simples assim. O lado obscuro da força é forte, organizado, resiliente – é, também existem do outro lado, e joga sujo! Pensem nisso.

Fui!

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Programa pro equidade de gênero

O Grupo PAR (onde trabalho) aderiu ao Programa Empresa Cidadã, do Ministério da Fazenda. Para quem não sabe, de forma simplificada, esse programa permite que as empresas deem seis meses de licença maternidade para as suas empregadas, em troca de incentivos fiscais. Lembro que na lei, a licença é de apenas quatro meses.

A adesão a esse programa foi um passo importante porque o grupo é composto de 70% de mulheres, na maioria em idade de ter filhos. A adesão ao programa levantou internamente outra bola, a da adesão ao Programa Pró-equidade de Gênero (PPG) da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) da Presidência da Republica.

Este dois assuntos correlatos lembraram-me o post sobre a necessidade de coerência. A adesão ao PPG é muito mais complexa e completa do que a maioria das empresas parece pensar. Não se trata de uma certificação que dá para conseguir com meia dúzia de mudanças cosméticas. Os indicadores exigidos só são conseguidos com mudanças culturais e estruturais mais profundas. Para obtenção do selo a avaliação acontece durante 12 meses e a empresa tem de realizar com sucesso pelo menos 70% das ações do roteiro. A maior parte das ações visam dar transparência dos tratamentos dados em processos susceptíveis de haver discriminação de gênero – recrutamento, seleção, carreira, salário, benefícios – ao mesmo tempo que provocam a discussão interna sobre a coerência do posicionamento da empresa sobre o mesmo assunto.

Pessoalmente, nunca trabalhei em empresas que não tivesse nenhum tipo de discriminação em relação a gênero, sexo, raça ou similares. O pior é que na maior parte das vezes nem nos damos conta do que é realmente discriminação (vide o post sobre os profetas).

Vai ser um caminho árduo, mas necessário. Pelo menos o Grupo já mostrou a intenção. Se vamos chegar lá sem atritos, já é outra história. A discussão do tema é irremediável numa estrutura com maioria de mulheres e no entanto tão poucas em cargos gerenciais. É verdade que todos – mulheres e homens – dizem que não existe sexismo no tratamento do assunto, que apenas deixamos o mercado resolver o assunto. Pois então o mercado está errado. Ele é sexista, racista e mais outros istas que não vou citar aqui. Dada essa situação, cabe às empresas responsáveis – como acredito ser a nossa – fazer a sua parte para corrigir as anomalias. Simples assim.

Como eu costumo dizer, não vai ser fácil. Nunca ninguém disse que seria fácil. É só perguntar às mulheres. Muitas delas até me dizem que não querem ser promovidas por serem mulheres mas sim por serem competentes. Concordo. Até atingirmos esse grau de evolução humana teremos que nos contentar com políticas positivas como esta.

Abraços.

Fui!

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Educação inclusiva para uma nova realidade

Eu nunca gostei de estudar. Pois é. Nunca me senti bem no sistema de ensino tal como ele existia – e ainda existe. A ideia de ser fechado numa sala e ter de, de alguma forma, engolir tudo o que um professor diz era algo muito estranho. Hei de me lembrar sempre da minha primeira aula de filosofia no ultimo ano do secundário. O professor abriu a aula dizendo que “filosofia é a arte e capacidade de pensar”. A minha reação foi “mas, peraí, eu JÁ sei pensar!”. E ele nunca mais me viu na aula. No final do ano, passei na mesma.

Uma coisa que muito me incomodava era a constante pressão para ser o melhor. Para todo o sistema – professores e pais – eu tinha de me esforçar para ser o melhor aluno, no máximo de matérias/disciplinas possíveis. Era uma coisa que eu não percebia muito bem. Porque tinha que ser sempre o melhor? Porque não era suficiente ser só bom? Como eu era um aluno razoavelmente inteligente, dotado de boa memória auditiva, não era muito difícil ter notas acima da média. Mas nunca tentava ter a melhor nota possível, ou ser o numero 1 da turma. E essa atitude se prolonga até hoje. Uma boa dose de preguiça também ajuda, claro.

Esta historia serve de contextualização para a seguinte reflexão: esse sistema de educação que premia os melhores, os números 1s, la creme de la creme, etc, é apenas o reflexo da sociedade competitiva em que vivemos. Desde pequenos que ouvimos essa conversa que temos que ser sempre os melhores, os vencedores (expressão tipicamente estadunidense que foi abraçada com toda força por quase todo o Mundo moderno). Eu me lembro do meu pai me dizendo “filho, não importa o que escolhas fazer mais tarde, desde que sejas o melhor a fazê-lo. Podes ser varredor de rua, desde que sejas o melhor varredor!”. Hmm, sim, claro. Sabemos que não é bem assim, não é? Aliás, a teoria foi pro brejo quando eu lhe disse que queria ser músico. Lembram da dificuldade em ser coerente? Mas voltemos ao assunto do post...

Como eu disse, não entendia a cobrança para ser o melhor. Hoje entendo porque não entendia. O melhor é sempre um só. Os melhores são sempre minoria, um status exclusivo – oposto de inclusivo. Como podemos medir a qualidade e/ou evolução de uma comunidade, uma escola, uma cidade ou um país, unicamente baseado na avaliação de uma minoria? É como se disséssemos que a África é branca e rica, baseando-nos na população de Cape Town. Essa abordagem redutora provoca a fabricação de uma quantidade astronômica de jovens adultos que vão reger as suas vidas com base em premissas elitistas e excludentes, premissas que vão continuam a validar ad nauseum essa dicotomia entre primeiro, segundos, terceiros e quartos mundos, invés de provocar uma reflexão mais ponderada sobre o que é realmente a medida da nossa civilização. Ou seja, enquanto o mundo inteiro premiar/admirar/lisonjear/idolatrar/recompensar/incentivar os melhores/primeiros/ganhadores, não podemos ficar surpreendidos por uma visão egoísta e etnocêntrica das coisas. Nem sei se um é causa ou efeito do outros – ovo ou galinha. Mas sei que temos o poder de decidir que a partir deste momento, a melhor escola não é aquela que tem o aluno mais brilhante mas sim aquela onde todos os alunos passam de classe, onde os mais inteligentes ganham pontos por ensinar aos menos providos, onde os melhores atletas só ganham pontos em esportes de equipe aleatoriamente escolhidas (para evitar a reunião dos “melhores”, onde os professores têm por objetivo não deixar ninguém para trás, etc, etc. Tenho a certeza que se parássemos para pensar um pouco, poderíamos encontrar novos indicadores de um novo modelo educação infinitamente menos excludente que o atual. Mais ideias?